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terça-feira, 7 de junho de 2011

O Pomo da Discórdia ou Helena de Tróia

O casamento de Peleu e Tétis,
quadro de Giuseppe Mazzola

                          Adorável deusa Éris, símbolo da discórdia. Abrindo a primeira janela deste texto afirmo que muitos imaginam que a causa da guerra de tróia foi tão-somente o rapto de Helena por Paris. Há outras causas remotas e entre estas causas temos o famoso pomo da discórdia, expressão usada para sintetizar os conflitos de interesses, assunto fundamental nas ciências jurídicas. Na mitologia grega a discórdia é simbolizada pela deusa Éris. Qualquer conflito tem o seu lado positivo e envolve a difícil arte de julgar. O conflito é positivo em razão de poder levar ao dialogo ou a discussão saudável dos problemas. Por outras palavras podemos dizer, como os antigos, que “os macacos são muitos, as frutas poucas.” O conflito gera a pior das violências ou o melhor da paz.

Deusa Éris, filha de Nix,
a noite do véu negro
        Na época em que os bichos falavam houve uma cerimônia de casamento no Monte Pélion, na Grécia, entre a deusa Tétis e o mortal Peleu.  Tétis era filha de Nereu, o velho do mar, a mais bela das nereidas, sua mãe Dóris. Peleu, criado pelo centauro Quirão, foi orientado a conquistar Tétis depois que Zeus e Posídon desistiram dela. Tétis e Peleu são pais de Aquiles, famoso pela fragilidade de seu calcanhar, por isso temos a expressão calcanhar de aquiles, como fraqueza de alguém que pode ser explorada. Em uma das versões Tétis mergulhou o seu filho Aquiles nas águas do rio Estige, um rio do inferno grego, segurando-o pelo calcanhar quando este foi arrebatado pelo pai Peleu. É que a desastrada deusa Tétis já havia matado outros seis filhos tentando imortaliza-los. Tétis ficou tão zangada que abandonou a ambos. Neste ponto, observo a esplendorosa democracia entre mortais e deuses testemunhada na Grécia, uma deusa casando com um mortal, os filhos simples mortais. Tal democracia religiosa nunca mais será experimentada pelos homens com a vitória das religiões formais e profissionais onde a alegria dos trextos foi retirada.  

                       Todos os deuses foram convidados para as núpcias, com exceção da deusa Eris. Erei no indo-europeu significa perseguir e éris significa também combate, luta, na literatura. A deusa da discórdia é irmã do deus Ares, deus da guerra, Éris e Ares, a dupla infernal da mitologia grega. Os seus filhos são Pónos (fadiga), Léthe (esquecimento), Limós (fome), Álgos (dor) e Hórkos (juramento), uma filharada desta merece todo o respeito.  Hesíodo distingue duas discórdias, uma perniciosa e outra benfazeja que estimula a boa competição entre os homens. Os gregos já tinham a noção da importância do conflito. Digo isso para que nos inteirarmos que na discórdia pode estar a elevação ou a queda ou catábase. A nossa deusa Éris ficou indignada por não ser convidada para festa. É desnecessário dizer porque Éris não foi convidada, contudo, ela não se deu por rogada e para se vingar jogou uma maça de ouro na cerimônia, o famoso pomo da discórdia, destinado a  deusa mais bela da festa. O certo era as deusas não luteram pela maça de ouro, na prática o que aconterce é isso, a discórdia estará armada pelo pomo da discórdia, é da natureza humana e da natureza dos deuses gregos, criados a semelhança dos gregos, lutarem pelo pomo, talvez, até a morte. Logo exsurgiu uma discórdia entre as deusas Hera, esposa de Zeus, Atena Afrodite, respectivamente, filha e irmã de Zeus, pelo pomo de Éris. Cada deusa se julgava mais bela que a outra.


                       Nenhum deus propôs decidir a discórdia. Nenhum deus, Senhoras e Senhores! Decidir a discórdia é julgar, julgar é perigoso, quem julga pode acabar um dia sendo julgado, daí o perigo e decorrente deste a sabedoria dos deuses.


                       Zeus encarregou o mensageiro dos deuses, a saber, Hermes de levar as nossas deusas,  vaidosas e vingativas, para o monte Ida nas proximidades de Tróia para que Paris ou Alexandre, um pastor de cabras, decidisse a contenda. Explico que Hermes é um deus muito famoso na mitologia grega. É o símbolo da astúcia, do ardil e da trapaça. Protetor das estradas, dos comerciantes e dos ladrões e ainda como já disse um mensageiro dos deuses e até alcoviteiro.


O Julgamento de Páris, de Rubens1577-1640

                     Páris era filho de Príamo, rei de Tróia e de Hécuba. Paris foi abandonado no monte Ida depois que seu pai Príamo ficou sabendo que ele seria a ruína de Ilion, ocasião em que foi criado por Agesilau. Sua mãe Hécuba sonhara nos últimos dias de gravidez que estava dando à luz uma tocha que destruía a cidade de Tróia o que foi interpretado que ele seria a destruição da cidade. Páris conseguiu retornar e ser aceito no seio familiar depois de reconhecido por sua irmã Cassandra.                                    

 
                      Páris ficou assustado e quis fugir, mas Hermes o convenceu a decidir a questão. Paris não entendeu que estava recebendo um cargo de juiz, levar a cabo uma das coisas mais difíceis do mundo,  julgar. Não esqueçam, nem os deuses quiseram julgar. Certamente, foi arrogante, caindo na dupla armadilha, uma de Éris, outra de Zeus, ao julgar as vaidosas e vingativas deusas. Como todo Juiz Paris sofreu pressões. Hera lhe ofereceu o império da Ásia; Atená, a sabedoria e a vitória em todos os combates; e Afrodite o amor da mulher mais bela do mundo: Helena, mulher de Menelau, rei de Esparta, a mais bela das mulheres. Irracionalmente decidiu pelo amor de Helena, em favor da filha de Crono. Para vingarem de Páris, o juiz tolo, Hera e Atená participaram da guerra de Tróia ativamente protegendo os gregos contra os troianos. Do lado de Tróia ficaram entre outros deuses Afrodite, seu amante Ares, o deus da guerra e Apolo.   

                                                                                                                                                   
                           Vejam bem, o amor é desajuizado e a deusa Afrodite é o símbolo da falta de juízo. Protegido pela Deusa Afrodite, Páris conseguiu conquista-la fugindo com ela de Esparta com uma grande quantidade de tesouros.  A aventura de Páris terminou com a sua morte por Filoctetes e a destruição de Tróia. Aqui temos a simbologia entre amor e morte, a irracionalidade do amor traduzida pela expressão familiar: Ah! como o amor é lindo! O presente de Afrodite, o amor justamente de uma mulher casada, esposa de um rei espartano poderoso e perigoso, não é um presente, é uma doce armadilha, sem dizer que os espartanos também viviam de escravos e despojos de guerra, ou melhor a guerra estava armada pela deusa Éris e vejam só, auxiliada pelos outros deuses que não puseram panos quentes no conflito, ao contrário, prepararam o cenário da guerra. É, o casamento de Tétis, mãe de Aquiles, foi complicado!

Páris e Helena
Jacques-Louis David,
1748-1824.
Helena é o pomo da discórdia

                               Julgamentos incessantes. Todos nos julgamos incessantemente os nossos conflitos e os dos outros, julgamos tudo e todos. Somos máquinas conscientes e inconscientes de julgar. O próprio nome que damos as coisas é um julgamento. Quando julgamos estamos também escolhendo e separando. Os julgamentos, sem duvida, têm o patrocínio da deusa Éris, como pano de fundo o pomo da discórdia, os conflitos ou a bela Helena. Um advogado julga quando pede a procedência da ação, é um esboço da sentença o seu pedido, o mesmo pode-se falar de um Promotor. Quanto ao Juiz é dispensável fazermos comentários, pois é da sua essência  os julgamentos. O julgamento de Paris foi corajoso, um mortal decidindo sobre a beleza de deusas vingativas. Os deuses deveriam julgar os deuses ou os iguais devem julgar os iguais, agora um imortal sendo julgado por um mortal foi enigmático ou um detalhe interessante que de certa forma vai contra as regras dos julgamentos. Para piorar decidindo nada menos que sobre a beleza de uma deusa. Foi um Juiz, como diziam os gregos, comedor de presentes, uma vez que ganhou o amor complicado de Helena. Por outro lado, podemos dizer que Páris não proferiu nenhum julgamento, apenas fez uma escolha em causa própria, escolheu o amor, força contra a qual na Grécia nem os deuses podiam lutar. Paris julgou ou foi julgado? Escolheu o amor ou a morte? Nesta democracia entre homens e deuses outro fato que emerge é que o julgador Páris não passa de uma marionete dos deuses, no pântano de um determinismo estarrecedor pairando sobre ele ou a sua própria morte sendo urdida pelas Moiras, as deusas da morte, no torvelinho da vida. A grande verdade é que quem julga inexoravelmente será algum dia julgado, uma eterna verdade, muitas vezes cruelmente julgado, a pena máxima pode ser até a morte. Destarte, qualquer julgamento demanda humildade, traz em seu bojo um pomo da discórdia, um presente dos deuses.

...qualquer julgamento traz um pomo da disacórdia...
                             Bom senso ou métron. Só que na Grécia havia um ditado que recomendava que os homens portadores do métron, do bom senso, devessem sempre desconfiar dos presentes dos deuses. Para darmos mais um exemplo sobre o perigo   A Caixa de Pandora contendo todos os males foi um presente de Zeus.


                                 A lição deste mitologema que ficou martelando nas nossas cabeças sem cessar, como um vírus teimoso na garganta, foi que:  
      
                                                                     nem os deuses quiseram julgae...

                                  
                                    Z, muita saúde a todos.
                         


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