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quarta-feira, 20 de julho de 2011

Buscando A Quem Devorar


Cartaz do filme A Cidade das Mulheres
do grande diretor Federico Fellini, 1920-1993


                                                                                  Mulher da vida

                                                                                  Mulher da rua

                                                                                  Mulher perdida

                                                                                  Mulher à-toa

                                                                                  Mulher da vida

                                                                                  Minha irmã

                                                                                  (Cora Coralina)

                                                                      Pedindo a benção dos encantadores e sensuais deuses romanos Pertunda, Súbigo, Virginiense e Prema esclareço que Quaerens quem devoret em latim significa “buscando a quem devorar”. Um dos livros mais famosos já escritos no mundo é “Les Fleurs du Mal” ou “Flores do Mal” de Charles Baudelaire (1821-1867), e traz uma estampa de uma mulher com esta epígrafe em latim “buscando a quem devorar”. Esclareço que Baudelaire com esta obra inaugurou o simbolismo e foi precursor do modernismo. A estampa, em verdade, refere-se à noção da mulher como devoradora, ou por outras palavras, a idéia da mulher como perigo. É a visão, outrossim, da mulher com “vagina dentata” ou traduzindo do latim para o português, a mulher possuidora de uma vagina dentada. Por estranho que pareça, já houve a lenda que a vagina da mulher tinha garras semelhantes aos dentes, poderosas e devoradoras, principalmente na noite de núpcias. Será que os homens sempre tiveram um viés, palavra da moda nas ciências econômicas, de covardia em relação às mulheres em razão desta crença?


                                                Este fato, esta idéia, é interessante, o certo e o recerto é que as mulheres na antiguidade sempre estiveram encobertas por um véu de mistério e, em algumas culturas, era uma devoradora literalmente falando, ou seja, os homens tinham uma espécie de COMPLEXO DE CASTRAÇÃO em relação a elas. Por isso vingou em algumas culturas a tradição de entregar a noiva na primeira noite a um prisioneiro, sacerdote ou rei ou outra pessoa importante. Um prisioneiro era escolhido em razão de a comunidade não ter nenhum apreço por ele. Um rei ou sacerdote, ambos seres divinos, acima do bem e do mal, e por conseguinte não corriam nenhum perigo de serem devorados pela mulher. Respondendo a pergunta acima, digo e redigo que alguns homens morrem de medo das mulheres em geral, talvez um sentimento atávico do Complexo de Castração. Só que devemos ficar bem atentos, e compreendê-los, uma vez que caldo de galinha e cautela nunca fizeram mal a ninguém, regra avoenga do bem viver. Não são apenas homens frouxos como dizem os desavisados.


                                                Esta crença na mulher devoradora talvez tenha como origem o sangue do hímen na noite de núpcias, sangue considerado nefasto e perigoso, porém, em outras culturas, este sangue é essencial, como prova da virgindade da donzela. Perdurou na França até o século XIII o Le Droit de la Cuissage du Seigneur, traduzindo do francês temos “O Direito de Coxa do Senhor”, em que o rei deflorava a noiva. Tal ritual tinha origem na crença da fertilidade de pessoas divinizadas como um rei e nas teocracias antigas, entre outros interesses. Hoje, isso seria um absurdo.

   
                                                Os romanos, na noite de núpcias, ficavam gritando desesperadamente e invocando a deusa protetora Pertunda, nome este que vem do verbo latino pertundere, significando varar de um lado ao outro. Juntamente com esta deusa também invocavam a deusa Virginiense encarregada de soltar o cinto da donzela; o deus Súbigo para submetê-la ao marido e, ainda, de sobra, a deusa Prema para, uma vez submetida, deixar-se deflorar. Santo Agostinho (354-430) implicou com tantos deuses na noite de núpcias, para ele bastava a deusa Pertunda. Sem embargo disso, discordo de Santo Agostinho (354-430), como já disse cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém, um homem prevenido vale por dois e não existe nada mais excitante do que estes deuses. Porque tanto temor, tantos deuses na alcova? Temor do abismo masculino ou por palavras mais simples, temor do fracasso viril, do sangue do hímem considerado nocivo na época e outros motivos.

                                                A mulher devoradora está presente no Mito de Dionísio, uma vez que Sêmele ficou grávida de Zeus, porque devorou o coração de Zagreu, o primeiro Dionísio.

                                                Eva, a mulher seminal, como mulher devoradora, deu ao homem a maçã proibida, é a origem de todos os males, pura sedução, mito conhecidíssimo dos católicos.

                                                A Esfinge de Tebas e as Sereias na mitologia grega devoravam homens. A Esfinge era uma leoa alada com cabeça de mulher, um monstro cruel, que propunha aos transeuntes enigmas, e, caso não fossem resolvidos, devorava o seu interlocutor. Não devemos confundir esta Esfinge grega com a egípcia. As sereias tinham um canto irresistível que levava os marinheiros a pularem no mar, momento em que eram devorados por elas. Ulisses, querendo ouvir o canto, pediu aos seus companheiros que o amarrasse no mastro da embarcação.  Pandora casou com Epimeteu, a primeira mulher nesta mitologia, e levou de presente dos deuses do Olimpo uma caixinha que, aberta, deu origem a todas as desgraças que atormentam o mundo. Só a esperança restou dentro da caixa, mais uma vez o mito da mulher como devoradora, como origem do mal.

                                                A poderosa e invejável viúva-negra. Para mim, o maior símbolo da fêmea devoradora vem da Entomologia, do estudo dos insetos ou Insetologia, mais precisamente dos Aracnídeos, mais precisamente, ainda, da temível viúva-negra. Simplesmente, após copular com o macho o devora sem piedade. O resto de seu corpo alimentará os filhotes recém-nascidos. É a mistura natural, sem piedade e romantismo, entre sexo, reprodução e morte. Que arranjo fantástico é este da natureza, copular com o macho e devorá-lo. Neste fenômeno temos uma leve impressão da perda da utilidade do macho após a fertilização da fêmea. Temos que acreditar que o fenômeno do devoramento é racional, sob o ponto de vista da natureza ou sob o ponto de vista biológico. A natureza apenas encontrou uma forma inteligente de manter a preservação da espécie, com os maiores recursos possíveis. Muitos dizem que a natureza é má, não poupa o mais fraco, e a viúva-negra é um exemplo desta qualidade. Destarte, por analogia, a mulher que mata o marido é chamada de viúva-negra.  
Cartaz do filme a
Cidade das Mulheres
em inglês

                                                 As mulheres são merecidamente mais iguais que os homens e a lei diz amém. Esse título foi em homenagem a George Orwell, aquele que escreveu a Revolução dos Bichos, um dos mandamentos dos bichos após fazerem uma revolução vencedora contra os homens lembra este título (Todos os bichos são iguais, alguns bichos são mais iguais). Voltando ao nosso devoramento, muitos homens acham que os fatos acima são bobagens de homens antiquados, no entanto, se estivéssemos nesta época acreditaríamos nas mesmas bobagens como estamos acreditando em muitas idiotices hodiernamente. Muitos homens não sabem e nem desconfiam, muitos apenas desconfiam, contudo, a mulher hoje, sob a ótica da lei leva vantagem sobre o homem ou por outras palavras são maravilhosas mulheres devoradoras. Acredito que é pura tecnologia moderna olharmos a mulher como mulher devoradora. Como exemplo dessa tese da mulher devoradora, digo que elas têm privilégios legais materiais e processuais extremamente vantajosos em relação ao homem. Em certo ângulo, estes privilégios ferem o art. 5°, caput, da Constituição da República do Brasil. Basta lembrarmos  da Lei Maria da Penha, conhecida pelos gaiatos como Lei Maria do Penhasco, do foro privilegiado para propor ações contra os homens e a preferência cultural e jurisprudencial em ficar com os filhos na separação do casal e, com a pensão a tiracolo, às vezes até roliça. Deverasmente, sabem cuidar melhor da prole. São mulheres devoradoras, no bom sentido, com toda a justiça cobertas com o véu do superlativo justíssimo. Podemos dizer que são compensações históricas ou uma espécie de Ética Histórica Restauradora ou Lei de Compensação. É que, historicamente, a mulher foi cerceada em toda a sua potencialidade e deu a volta por cima e voltou a ser Lilibeth (um segredo que a igreja esconde), um anjo ou demônio bíblico anterior a Eva. Por isso, o conceito de sexo frágil tem de ser revisto como uma lenda de tolos.
Cora Coalina, 1889-1985

                                                A mulher devoradora da cidade de Goiás. A lendária Cidade de Goiás tem sua mulher devoradora, a mulher dos doces, da sedução, que esteve à frente de seu tempo, que rompeu barreiras sociais, que escandalizou a sociedade ao fugir, ao devorar, heroicamente, um homem casado ou, simplesmente, Aninha da Ponte ou Cora Coralina (1889-1985). Quem conhece a sua biografia sabe que ela foi apedrejada, por mais de cinqüenta anos, inclusive, por aqueles que depois passaram a jogar flores em sua homenagem, flores tão só pelo reconhecimento de seu talento como mulher devoradora do seu tempo. Destarte, se o homem tem Poder as mulheres têm Poderes.

                                                Felline sempre vê as coisas por outro ângulo. A Teoria da tomada do poder pelas mulheres e a derrota dos homens são claras nos filmes Cidade das Mulheres do impagável diretor Fellini ou Mulheres de Philippe Sollers, outro grande diretor da sétima arte, vale a pena assistir para podermos pensar diferente e libertarmos um pouco das nossas sagradas verdades. São filmes interessantes, outrossin, não pelos efeitos especiais tão apreciados pela geral, mas pela mudança de foco. 

                                                Epilogando. Terminando, o devoramento, e, rogando a proteção necessária e justa da deusa irresistível Pertunda, da indiscreta deusa Viriginiense, do poderoso deus Súbigo e da gozosa deusa Prema afirmo que tanta fragilidade, tanta beleza, tanto enfeite, tanta sensualidade, simplesmente, ou, simplesmente sedução, pode estar, na verdade, buscando a quem devorar ou quaeres quem devoret. A pergunta que nunca se calou. Fica a pergunta: porque os homens sempre tentaram fragilizar as mulheres e estas, dolosamente, como potências das sombras e das sobras, aceitaram o jogo e, muitas vezes, como meio de defesa, transformaram-se em mulheres devoradoras ou em pura superioridade feminina que muitos machistas se recusam a aceitar?    
Federico Fellini dirigiu filmes famosos como
 A Doce Vida, Amarcord, Satyricon, dentre
outros. Este diretor é um ícone do cinema,
vale conferir a sua obra. Satyricon me matou
de rir.

                                                             
                                                             Zé Perrengue, muita saúde a todos.

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