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quarta-feira, 8 de junho de 2011

Tédio ou O Mito de Sísifo


                                                                     Sísifo no Tártaro

      Em homenagem aos que têm uma vida repetitiva, cheia de tédio, mormente às dona-de-casa.

...o mais velhaco e manhoso dos mortais...
                                       

          O nosso tédio. Tédio pode ser uma sensação de desgosto continuado; de aborrecimento; algo enfadonho ou fastidioso. Estas sensações revelam o lado vago da vida que temos de contemplar, o nosso caminhar na estrada deserta sem sentido; o sentimento que o nosso pónos ou esforço é apenas um tributo deverasmente sagrado para o nada de cada dia O tédio pode ser também uma vida em correntes alternadas, pelo sentido e pelo sem sentido, pelo sim, pelo não, pelo ser, pelo não ser e esta nuance espiritual não passou ao largo da mitologia grega. A sabedoria grega, a mitologia grega, podemos afirmar, compreendeu o homem como se fosse uma máquina fotográfica e, por conseguinte, cada sopro de nossa alma foi fotografada por ela, em deslumbrantes fotos mitológicas, cheias de arte e imagens coloridas. Uma destas fotos ou narrativa mágica, cheia de imagens, é o Mito de Sísifo no Tártaro ou inferno nesta mitologia. Sísifo é, em resumo, um símbolo da vida repetitiva que podemos levar no mundo. Sísifo recebe uma das maiores punições da vida, o tédio, em uma época em que não poderia contar com o auxílio químico de uma simples benzoadiazepina, tão em voga nos últimos tempos.

                       Como já dissemos, na democracia teológica grega, os homens, às vezes interagiam com os deuses, confundindo-se com estes em belas imagens ou fotos. Antes de entrarmos na foto final de Sísifo, no seu destino cheio de tédios, é necessário apresentarmos aos leitores outras fotos de Sísifo.

                                                                       Sísifo, rei de Corinto, filho de Éolo e Enárete, casado com a ninfa Mérope, pai de Glauco, Ornito, Tersandro e Halmo, era considerado o mais velhaco e manhoso dos mortais. Na mitologia grega Ulisses, outro atrevido e solerte mortal, é filho de Anticléia e Laertes, contudo, segundo uma outra versão sua mãe já estava grávida de Sísifo quando se casou com Laertes. Esta gravidez teria ocorrido quando Sísifo foi reclamar parte de seu rebanho furtado por Autólico, pai de Anticléia. Em resumo, Ulisses não seria filho de Laertes e sim de Sísifo, explicação lógica da esperteza ou solércia de Ulisses.

                                                                       Sísifo presenciou o rapto da filha de Asopro pelo pai dos deuses, ou seja, Zeus e contou o fato para aquele. Como represália Zeus, pai dos deuses e dos homens, um deus vingativo, mandou que Tanatos, o deus da morte, carregasse Sísifo para o Tártaro ou inferno grego. No entanto, o nosso herói conseguiu prendê-lo. Com a prisão de Tanatos uma grande tragédia ocorreu: não morria mais ninguém, e Hades, o rei e zeloso administrador do inferno grego, reclamou para Zeus que libertou Tanatos e, novamente encarregou-o de levar Sísifo para o inferno. Todavia, o esperto Sísifo antes de morrer determinou que a sua mulher não prestasse as devidas honras fúnebres, sem as quais uma alma, uma sombra ou eídolon em grego, não permanecia no Tártaro. Indagado por Hades, o rei ctônio, sobre o sacrilégio ou a falta das honras fúnebres, o nosso velhaco personagem culpou a sua esposa de impiedade e suplicou para que retornasse para castigá-la com a promessa de retorno logo. Isto combinado e obtido, não cumpriu o prometido deixando-se ficar no reino dos vivos, ou seja, por duas vezes enganou a morte. Um dia, contudo, Tanatos levou Sísifo, em definitivo, e por sua afronta aos deuses foi condenado no inferno a rolar uma pedra montanha acima. Levada a pedra ao cume da montanha, logo esta rola montanha abaixo e Sísifo é obrigado a recomeçar tudo de novo, continuamente, para sempre, em um trabalho incessante e cruel. Destarte, temos aí o famosíssimo suplício de Sísifo no Tártaro ou o Mito de Sísifo.

                                                                       A narrativa acima é o mito do tédio, do trabalho contínuo e repetitivo. Não podemos esquecer nunca que a morte é o maior de todos os tédios, antes deste grande tédio, passamos por pequenos e médios tédios na nossa efêmera existência. Na verdade passamos pelas nossas pequenas e médias mortes no nosso dia a dia antes do tédio final. Sísifo é o tédio, o destino cruel do homem que deverá executar trabalhos repetitivos em sua jornada quer queira, quer não.Tanto isso é verdade que os dicionários consignam o substantivo masculino Sisifismo como uma tarefa contínua, em eterno recomeço. Por isso, exclamo, homens, ponham a mão na consciência, pensem no trabalho doméstico! Uma refeição terminada, utensílios à espera para serem lavados e em poucas horas, já que o homem não para de comer, tudo recomeçará, nova ingestão de alimentos e novas vasilhas para serem lavadas. O trabalho é leve, dentro de casa, contudo, maçante, repetitivo. Este trabalho de Sísifo das donas-de-casa e suas secretárias não é reconhecido na sociedade como deveria. Vejo estas pessoas carregando uma pedra montanha acima que logo rolará montanha abaixo e, logo, tudo se repetirá, continuamente, eternbamentre.

                                                                      O Mito de Sísifo não é apenas uma narrativa mitológica paupérrima, sem sentido, este mito é a foto do tédio, o trabalho repetitivo, a nossa esperteza tentando enganar Tanatos, o deus da morte, a nossa vontade de enganar a morte, com pequenos e médios tédios, até o maior de todos os tédios, a inexorável morte.


                                                                          Zé Perrengue, muita saúde à todas donas-de-casa.
Sísifo de Ivan Koulakov


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